sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Rolo continua

Não haverá histórias sobre ti. Nem referências nem citações. Não serás imortalizado no cinema de vida curta e de contradições. O teu contributo é uma vírgula, como muitos o são ou já foram. Importante na pausa, na respiração, crucial à sua estrutura. Um figurante numa grande produção. A tua inexistência levaria a uma cena mais fraca. A tua partida deixa a cena incompleta. Ficarás, simples, como parte de um todo em construção.
Não passas da sala de edição. Este é a tua ode. Curta e rápida. O rolo do filme continua, incansável, com um destino eminente. Sais da produção apressado, sem aviso. O rolo continua. Deixas o camarim desarrumado, deixas para trás as tuas coisas. E o rolo continua. Ainda vens a tempo, fica a informação. São sempre precisos figurantes, e o guião está sempre em reconstrução. Não esperes é muito, a produção não para e continua rápida.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Não haverá Festejos

Recuso-me a fazer 22 anos.
Recuso-me a reconhecer que envelheci. 
Recuso-me a reconhecer que a minha lenta marcha até ao caixão prossegue. 
Recuso-me.
Tentei não fazer os 21 anos. Tentei mesmo. Felizmente, ou infelizmente, a minha ex-namorada, numa teoria de conspiração muito bem combinada com a minha mãe, organizou-me uma festa de anos surpresa. Confesso que gostei, e que não custou tanto fazer os 21. 
Só que este ano não haverá festejos. 
Não há motivos para festejos.
2015, em grande parte por minha culpa, em outra parte por culpa da minha genética e personalidade esquisita, que herdei e fui moldando ao longo de 21 anos, é um ano que quero esquecer da memória. 
O ponto alto e positivo foram os meus dentes novos, que custaram uma fortuna aos meus pais. Mas esses vieram  porque eu ambiciono ter uma dentadura que valha mais que a minha própria casa. Tragam-me chocolates e coca-cola por favor que assim lá chegarei.
O resto são pontos negativos, mas talvez necessários à construção deste ser esquizofrénico que sonha com normalidade e estabilidade que pelos vistos não conseguirá. 
Entre despedir-me do meu trabalho, dedicar-me exaustivamente a uma depressão - por vontade própria, evidentemente, numa tentativa de chamar à atenção e de me fingir de vítima - , ser internado, afastar amigos bastante próximos e menos próximos, perder membros familiares, ser assaltado duas vezes num espaço de 8 meses, é difícil encontrar algo que me faça dizer no futuro: ah, 2015, que ano. 
E o mais estranho, ou normal, já nem sei, é que depois destes constantes erros, deliberados ou não, depois destes traumas, eu não me reconheço a mim próprio. Não conheço a pessoa em que me tornei e muito menos conheço ou me recordo do que já fui. 
Mas quem sabe, e pode ser que isto seja apenas mais uma verborreia mental e que daqui a 2 meses ou 2 dias pense o contrário. Mudar de ideias é um traço mais do que natural da minha falsa bipolaridade.
Só que a verdade é que com uma licenciatura por acabar, um futuro por desenhar e um vazio na mente e no espírito inexplicável, não consigo parar de sonhar com o fim deste ano. 
Não há motivos para festejos. 
Há motivos para dormir e esquecer que 2015 existiu. 


quinta-feira, 24 de setembro de 2015

There and back again - a fool's tale

Faltam as palavras, chega a repetição, grita injustiça, clama por compreensão. Que poético. Senta-se, levanta-se, dorme, pouco, mas tenta, come, pouco, mas desiste, deita-se, imóvel, descansa, tem que descansar. Não, levanta-se. Não consegue. Não se levanta. Fica. Preso. Petrificado. Perde o gosto de ver, de ouvir, de falar, de cantar, ler, para quê, jogar, o quê, visitas, nada, prendas, nada, terapia, nada, chora, olha, não vê, chora, reclama, irrita-se, vingar, hoje, aqui e agora, amanhã, com mais calma, brevemente, doce vingança, pura vingança, mas do quê, do quê o quê, vingança para quê, cai na realidade, se calhar, não, não faz sentido, mas quero saber, queres saber o quê, isso mesmo, o quê, como, quando e porquê, porquê isto, porquê aquilo, porquê a solidão, o vazio. O quarto está iluminado mas não vejo nada, que escuro, estranho, não há aqui nada, mas, mas sofro tudo, então espera, espero, vamos sair, vamos correr, vamos beber, conviver, falar, passear, ver, conhecer, o quê, para quê, vamos dormir, cama, cama, cama, quarto escuro e sujo, quarto vazio, ermita, levanta-te, não quero, sai de casa, não quero, fica em casa, sim vou ficar, sai, sai, sai, sai, sai, tenta, esforça-te, mas quero saber, o quê, para quê, sai, sai, SAI.
Saiu. regressa dos mortos. Porquê, para quê. tem que ser, em busca do que perdeste. vida. viver. escrever. sonhar. realizar. pensar. falar. andar. correr. gritar. beber. comer. dormir. respirar. ar puro. cinema. de volta. por favor. tenta. esforça-te. sai. ele sai. mas espera. onde é que eles estão. eles quem. eles. esquece. não vêm. não hoje. não sabem o caminho. não sabem como. não querem saber como. louco. o quê. estúpido. não sou. és. como. és. não sou. acredita. e sai. saio. sai. por ti. por mim. por todos nós. sai. vive. renasce. regressa. volta. por favor. volta. volta. tenta. volta. não consigo, sozinho, não consigo. eu ajudo. porquê. porque sim. porque sim não é resposta. então lembra-te. do quê. do mais importante. que é. não vale a pena. como assim. não. vale. a pena. isso é suposto ajudar. sim. mas supostamente vale a pena. pois vale. vale a pena viver. não o resto. o que é o resto. estar assim. vem. eu não sei o caminho, mas vou contigo. vai ser uma aventura. 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

41 dias depois, adeus trabalho

Rapidamente se aproxima o fim da minha estadia na revista SÁBADO.
Sinto-me, na verdade, como aqueles miúdos estúpidos a quem é dada uma oportunidade de ouro, um caminho duradouro para a sua a vida, mas que desistem a meio. Contra factos não há argumentos. É a realidade. E sei que tão cedo não terei outra oportunidade como esta. 

Como uns disseram e continuaram a dizer: "Ele vive noutro mundo. Está a perder tempo e não quer fazer nada. " A realidade é que ainda posso querer, e preferir viver feliz com pouco dinheiro. E nesse sentido, não quero viver miserável. 
Quero ter um motivo bom e válido para acordar da cama todos os dias.
Terei que voltar à odisseia de envio de currículos. Procurar um novo lugar para trabalhar e para ser explorado. Como é o dever de um jovem na sociedade. 

Deixarei para trás excelentes memórias. Não esqueço mentores, como Nuno Silva, Alexandre Azevedo, Daniel Neves. Que me ensinaram desde truques no photoshop como a trabalhar com ângulos fantásticos. Tal como não esqueço os meus directores, que confiaram em mim e que depositaram tempo e dedicação na minha formação. Foi a minha primeira experiência de trabalho para outrem, e melhor só com a papinha toda feita. 

Mas o meu lugar não é aqui. 
O meu lugar é lá fora. Não faço parte do mundo do Jornalismo. Não faço parte do mundo do marketing ou do trabalho em escritório. E eu, que sempre achei que sabia onde estava e o que queria, estou agora perdido. Ainda não sei onde pertenço. 

Tenho muito em que pensar, muito que fazer, muito que corrigir.


sexta-feira, 3 de abril de 2015

Marcha para o Esquecimento

Não devia ter tentado dar tudo.
Não devia ter acontecido.
Amigos. É tudo uma questão de conveniência.
Uma amizade não é só para os copos, mas até aqui nada de novo. Aos meus, tentei dar tudo. Ouvi, aconselhei, acolhi e ajudei. Prendas, nem tanto, mas sim gestos. Entrega absoluta e divina. Deixar para trás os meus interesses em prol de uma amizade. Quem meu amigo é, ganha um lugar na minha família. Utopia, logicamente.

Eu sei, parece que descobri hoje que o Pai Natal não existe, que a vida não é um mar de rosas e que amigos são amigos, quando dá jeito e lhes apetece.

Se não pareceu, juro que tentei, uma filosofia de ajuda. Uma filosofia de entrega e de confiança. O propósito desta filosofia nasce de uma necessidade um pouco egoísta. De uma necessidade de me transformar a mim próprio num personagem secundário da minha vida. De uma necessidade de me sentir bem e de conseguir viver comigo. De uma necessidade de me odiar um pouco menos.

Nesta minha cegueira, vivi na ilusão de ter a minha própria tropa. A minha guarda de honra. Um grupo de amigos, unidos, fortes e sempre lá. Na minha utopia, essa aliança era real.
De que serve confiar, se não podemos contar nem confiar nos que consideramos mais próximos?
De que serve confiar, se o nosso melhor amigo nos trai constantemente, ou por estar zangado ou por não saber o que diz?
De que serve confiar, se amigos nossos nos vêem cair em desgraçada, nos vêem afastar por estarmos miseráveis e não procuram trazer-nos de volta?
De que serve confiar, se amigos nossos nem nos ligam para saber como estamos, quando sabem que estamos mal?

Fecho-me agora na minha bolha, desiludido com aqueles que ajudei a criar. Desamparado no fundo do poço, desprotegido e dramático, sem ter aqueles que eram os meus comigo. Aqueles que me vêem como um falhado, como um auto renegado e como que só quer chamar à atenção.

E os poucos que se mantêm leais, afasto-os, amarrado à minha estupidez. A ajuda deles seria inquestionável e seria imprescindível. Mas é tarde demais. Não há lugar para mim neste mundo, 

Onde está a legião que me foi prometida?
Onde tocam os trompetes de socorro e de ajuda?
Onde está o amor que conquistei e que me garantiu não ter prazo de validade?

O relógio toca e a data aproxima-se. Está tudo a postos.

Na minha Utopia perdoei uns quando devia ter perdoado outros.
Na minha Utopia prometi não odiar quem me prometeu amar.
Na minha Utopia vi o mundo real e tive medo.
Na minha Utopia fracassada e em colapso só vejo um fim.
Na minha Utopia morrerei cansado de lutar sozinho.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

37 dias depois, exausto

A depressão não é um sintoma de fraqueza ou cobardia. É um sintoma de cansaço.
É uma doença, que poucos ou nenhuns percebem. Não por não quererem perceber, mas porque não conseguem conceber que alguém esteja demasiado cansado para viver. Neste mundo de faz de conta, em que todos temos que ser incríveis, todos temos que superar os nossos obstáculos, os cansados são deixados para trás, para abater.
É natural. É a lei do mais fraco.
Existem as clínicas, as consultas. Algo do qual eu nada sei e espero não vir a saber. São algo que supostamente ajuda aqueles que estão em baixo de forma, rendidos à depressão.
A depressão não é fraqueza. É cansaço. 
Nem todos temos o mesmo espírito. Nem todos temos a mesma vontade. Não somos iguais, e isso incomoda os que não conseguem perceber a depressão.

Para a depressão, apresentam como ajuda, como solução a escrita. Eu estou de facto admirado com a quantidade de palavras que já escrevi hoje, que não é normal. Porque nunca estive tão apático do mundo como estou agora. E o meu problema nesta aventura de escrever é que nunca sei ser subtil. Quando escrevo, as pessoas ou não sabem do que escrevo porque é completamente alucinado ou sabem do que falo. Não sei disfarçar, nem omitir detalhes. Sou demasiado directo e pouco privado. É um terrível defeito. Se fosse escrever um livro sobre as minhas escassas aventuras, os que me acompanharam nesta paródia de vida iam-me odiar. 

Só que não há escrita sem Musa. A musa é aquela pessoa que nos inspira, que nos liberta da mente, que nos recorda daquilo que somos capazes, que nos faz ver o mundo de outra forma. É aquela pessoa, que só o olhar, o sorriso, um simples gesto nos faz querer criar. É aquela pessoa que desperta o melhor de nós. É aquela pessoa que nos faz sentir vivos. Há dois anos atrás, eu cometi o erro de deixar que me conquistassem o coração. Cometi o erro de me apaixonar pela minha musa. Cometi o erro de imaginar um futuro. 

Os últimos dois anos foram os mais produtivos da minha curta vida. Quer em material sem nexo nenhum, quer em coisas que até tinham alguma graça e razão de ser, houve mão de alguém que não eu. A musa é tudo. Sem musa não somos nada.
À minha musa devo um talk-show, demasiadas curtas, centenas de textos, vídeos, personagens fictícias. 

O nome do programa "A Rita Pereira Não gosta de mim" surgiu numa palhaçada, numa tarde preguiçosa e sem ideias. E apesar de ter começado como um projecto de duas pessoas, transformou-se rapidamente num investimento de paixão para mim. Um objecto de adoração e de agradecimento para a musa, que em conversas e em disparates, despertava em mim uma vontade de criar.

Em jeito de irremediavelmente apaixonado, tentei dar tudo à minha musa. Tentei dar-lhe o mundo. Mas não foi suficiente e perdi-a. Acordo todos os dias a odiar-me, a detestar no que me tornei. A odiar o facto de não saber estar bem nem estar feliz. A detestar queixar-me. 
A nível profissional, as oportunidades aparecem e até agora, tem sido aproveitadas. Mas não sinto nada. De que serve fazer um grande vídeo se a nossa maior crítica não nos vai dizer nada. De que serve ter sucesso se não temos ninguém com quem partilhar. Não serve para nada. 
Toda a minha vida cresci a sonhar ser imortal, a alcançar o mundo. A ser uma espécie de Jesus Cristo do Cinema. Mas rapidamente percebi que legado e imortalidade são mitos. São sonhos que nunca serão alcançados. Trocava todos os vídeos, todos os textos, tudo por uma vida sã e feliz. Por momentos de felicidade.

Porque não estou a conseguir conceber um mundo em que a Rita Pereira não gosta, de facto, de mim.

E começo a arrepender-me do dia em que me apaixonei pela minha musa. 

segunda-feira, 9 de março de 2015

15 dias depois, o nada

Muitas vezes escrevi sobre desamor e depressões.
Escrevi demasiado sobre sentir-me sozinho e abandonado.
Em canções sobre vitimas que se culpam a si próprias proclamo-me rei, voz do povo e da razão.
No entanto, tudo isso está no passado,não esquecido mas compreendido. Apercebo-me, que mais do que acto de paixão sem sentido, de perda de consciência e da noção da realidade, de alma perdida, foi acto de poeta fingido e de actor deprimido. Foi um vazio real, mas que agora se sente quase criado e imaginado. Pois esse vazio em nada se compara ao vazio de agora, mais sádico, mais resistente e mais real.
Mais do que nunca, preciso de palavras.
Mais do que nunca, não consigo escrever.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O regresso do que ainda não Partiu (e uma outra história)

Sentado numa velha cadeira de rodinhas, escondido e à socapa no meu local de trabalho, regresso, como uma sequela de um clássico com 20 anos, ao universo dos blogues.

É um regresso inesperado, que não estava previsto nas estrelas, mas que tem sido muito esperado pelos meus fieis 14 seguidores. Os meus sempre fieis apóstolos.

É sabido, ou sei eu, que as minhas fases de actividade literária, de ataque compulsivo à escrita são intensas mas escassas.
Nos últimos tempos, tenho tentado combater a preguiça e tenho tentado a técnica de compilação. Isto é, tenho reunido os meus desabafos e pensamentos irregulares para mais tarde lançar, não em forma de livro, porque não são dignos de tal aventura mas sim em posts de blog, como fazem os menos e mais talentosos, em forma de diário público.

E aqui começo, agora, em prosa nunca em poesia.
Depois do anúncio, passa-se à execução.

Um irresponsável em terras de adultos

A minha entrada no mundo de trabalho foi atroz, bruta e sobretudo inesperada.
Como todos nós, recém-quase-licenciados, sem cunhas no mundo da nossa profissão de sonho, procedi à dança detestável mas essencial na nossa vida - o envio de currículos e de candidaturas. "Jovem de 21 anos procura receber fortuna por 2 horas semanais de trabalho."

Começamos sempre da mesma forma. Um currículo para o local onde queremos mesmo trabalhar ou estagiar, para aquele local de sonho. Depois desses primeiros quatro, cinco currículos, normalmente e infelizmente sem resposta, rendemos-nos ao desespero e disparamos em todas as direcções.

Eu tive sorte, porque ao fim de 78 tentativas e de 2 meses de espera, fui chamado para algo que nem sequer tinha tentado procurar: um estágio.
Porque verdade seja dita, fui ambicioso. No mundo de desempregados e de trabalho de exploração, quis logo o lugar efectivo por questões financeiras. Mas da questão financeira atravessou-se para a questão de carreira. E a aceitação de estágio foi um acto de puro desespero.
E foi o desespero que me trouxe ao mundo dos vivos. Desespero e sorte.

À equipa da SÁBADO me juntei, sem perspectivas nem ilusões de futuro. A convite e alguma (mas pequena) cunha, fui chamado para recuperar o histórico do site e para me tornar, contra a minha vontade e ambição, repórter de imagem e editor de vídeo.

Cedo percebi que não há horários, há café a borla. Que não há descanso, há café à borla. Que há responsabilidade e há café à borla...que há café à borla e um bocadinho de orgulho.
Orgulho sobretudo da família, das tias que ligaram histéricas a dar os parabéns, das avós que se comportam como se eu tivesse vencido o Festival da Eurovisão, dos pais, que começaram a tratar-me como o filho que os pode levar a jantar. Percebi também que, mais importante que tudo, há um objectivo.

E quase que ainda mais importante que isso, há um aprofundar de capacidades e há uma fuga da moleza caseira.

Contra todas as minhas previsões e vontades, o factor carreira ultrapassou o factor monetário.

Pelo menos por agora,

A ver vamos.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

A Casa das Coisas Partidas

Já tenho saudades e ainda não parti. 
Quero fugir e quero ficar. 
Outra vez contraditório.
Fechei os olhos por um momento e passaram três anos. Três anos desde que entrei pela primeira vez numa faculdade à qual eu não sabia que me tinha candidatado. Três anos desde que fui à primeira aula com medo, contrariado e em estado de birra. Três anos desde que percebi pela primeira vez que afinal não sabia o que queria da vida. 
O que mudou? 
Ganhei e perdi barriga. Duas vezes. Verdade seja dita ainda estou em fase de perda da segunda barriga. Natal e Páscoa, obrigado. Aprendi umas palavras em francês e outras em espanhol. Agradecimentos rápidos a Canuco Zumby e Fanny. Desenvolvi um moderado mas visível bigode. Semelhante aos que jovens em inicio de puberdade têm, mas um pouco mais vistoso e farfalhudo. E menos nojento. 
E olho para trás, para os erros e aventuras, e de pouco ou nada me arrependo. Apenas me arrependo de tudo ter passado demasiado de pressa. Mas isso não sou eu que controlo. 
As gerações anteriores bem que avisaram. "Aproveita que passa rápido"; "Vais querer sair mas vais querer ficar". Aldrabões, chamei eu, que faço agora parte da geração anterior. 
É rápida esta sorte e maldição de cruzar aquela linha que nos distingue dos do liceu. A licenciatura. O emprego ou a a perseguição de um. Sempre quisemos ser os mais velhos, os mentores, e agora sonhamos com uma Terra do Nunca. 
Este sentimento de pseudo-depressão antes de teres a licenciatura feita, pois não vale a pena lançar foguetes cedo demais, nasce com a entrega da fitas. Sim, as tradições académicas. Às quais, eu confesso, juntei-me porque achava que ficava bem gato de traje. Com a entrega das fitas, chega a altura da sua leitura. É o pretexto prático de dar a pessoas que se conhece e que se sabe que dificilmente se voltará a ver no futuro, uma carta de despedida. E de dar aos amigos mais próximos a trabalheira impossível de traduzir para o "papel" uma amizade, uma relação. Um processo quase angustiante e que normalmente puxa para a lágrima.

Tudo isto recorda-me que sonhei ansiosamente fugir desta faculdade. 
ISCSP, nome quase impossível de se pronunciar sem nos cuspirmos ou enganarmos-nos três ou quatro vezes. O seu emblemático lema "valorizamos pessoas". Como sonhei sair daqui e amaldiçoei esta noção de que para arranjarmos emprego convém uma licenciatura, mesmo que seja em conhaques ou em mudar canais de televisão. Como sonhei e tentei fugir, através de transferências, pedidos de congelamento de matrícula ou férias estúpidas tiradas em época de exame. 

Mas lá fui ficando.
Fui ficando na sede de alunos vindo de todos os lados, de todas as manias e feitios, quase todos com algo em comum: não era aqui que queriam estar. Fui ficando no curso dos cinco professores e seis ou sete cadeiras que realmente valem a pena, enquanto tudo o resto é lixo para passar tempo. Fui ficando e aproveitando como podia, muito amuado e muito refilão.

Só mais tarde, para disfarçar o amuo de estudar algo que não quero, meti-me no associativismo, que me deu experiências únicas, que quase me fez gostar desta estranha e corrupta casa, até me atirar ao chão e cuspir-me na cara, enquanto me dizia que o cuspo era meu. Lá quis fazer de tudo, mas apenas metade foi feito. Também passei por Jornais online moribundos e sempre com um fim à vista, talk-shows mal sucedidos, curtas-metragens péssimas e outras menos péssimas e núcleos de estudantes até chegar aqui onde estou: o fim de uma curta era. 

Espero poder dizer já um adeus definitivo a esta casa das coisas partidas. 
A casa que odiei e adorei sem medos. A casa que abandono e espero nunca voltar a ver. A casa que me traiu e que me consolou. A casa que deixa feridas e saudades. A casa que nunca ficará vazia. 
Não porque merece, mas porque se renova. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Um fado mal contado

Ele vivia num mundo à parte, noutra realidade, noutra dimensão. Era um louco, feliz, gingão, fala-barato, tagarela, chato, sem papas na língua, de pensamentos bizarros, ideias anormais e paranormais, dançava na rua, vivia na lua, muito senhor do seu umbigo, sempre de ar leviano e nada contido. Mas tudo o que é bom, não dura para sempre, e a sua vida deu meia volta, caiu no chão, bateu com a cabeça, foi esfaqueado nas costas, gritou de dor, riu-se de horror, fugiu com pavor e durante algum tempo, viveu sem esplendor. Surgiu escondido na forma de um sorriso, que sempre lhe passara despercebido. Suavemente e devagar, pela calada, insinuando-se primeiro, inchando-se depois, todo arrogante, pimpão e presunçoso. Era amor. Era ilusão. Enfeitiçante como a lua cheia mas tão terrível como um exército pronto para a mais sangrenta das batalhas. Os dias tornaram-se semanas, as semanas meses. A batida era forte e insuportável. O sofrimento era desgastante. E o sorriso, traiçoeiro mas acolhedor. No início, não percebeu. Não compreendeu. Era algo novo, estranho. Mas as passadas longas do tempo despertaram-no. O que para ele foi uma pena. Pensou, que fazer? Estava confuso. Pensou outra vez. Tinha a cabeça mil à hora. Mas finalmente parou. Olhou e aproximou-se, sorrateiramente. Como se um cavaleiro disfarçado. O amor entrou pela porta da frente e a sensatez abalou pela porta traseira. Calma mas irrequietamente, algum tempo demorou. Chegada altura, exibiu-se e não vacilou. Mas não conquistou. E da ilusão acordou. Contou e recontou a si mesmo que nada daria errado, que seria esse o seu fado, os dois felizes, lado a lado. Só não tinha era percebido, que não passava nada mais de que um fado mal contado. Ficou calado. Muito contido, deprimido, pelas trevas apoderado, tresmalhado do pensamento, demasiado baralhado. Chorou, chorou, tentou-se apagar mas deu um tiro ao lado. Ficou acamado, durante demasiado tempo para sequer ser mencionado. No fundo, quem sabe o que pode ter murmurado, a si mesmo e à escuridão, nas amargas vigílias nocturnas, quando de repente viu todo o significado da vida a desaparecer como que num sopro, a sua própria razão de existência a perder o sentido, o acto de respirar a tornar-se inútil. Tudo encolhia, tudo perecia, e sem dar por isso, as paredes do seu quarto começaram a fechar-se sobre si, como uma arca encerando uma fera adormecida. Tudo se tornou sombra, tudo perdeu vida. Acender a luz? Qual luz? Essa há muito que estava apagada. Mas por muito que tenha custado, e que muitas primaveras tenham passado, lá se apercebeu de que se torturava por nada. Foi despertado da sua amargura e aposentadoria por alguém ainda mais excêntrico que ele. Ela surgiu como a aurora, com uma boa nova. Radiante como os diferentes raios solares, suave, sorridente, calorosa, de olhos escuros como o breu, hipnotizantes, intoxicantes e apaixonantes. Veio galante, trazendo o cheiro de chocolate e o talento de tocar saxofone. De falas e gestos gentis, pura de interior e emanando felicidade, lá trouxe o rapaz, de volta à realidade. Demorou um pouco mas a paixão lá chegou. Agora vinha verdadeira, com novo ar e melhor dom. Viu-se a luz renascida, um novo sonho, uma melhor vida. Há gargalhadas no ar, o sol a vibrar, há novo sorriso, com gritos de cor. Vai-te embora desgraça, dá lugar ao amor.

Post Ads (Documentation Required)

Author Info (Documentation Required)