segunda-feira, 19 de maio de 2014

A Casa das Coisas Partidas

Já tenho saudades e ainda não parti. 
Quero fugir e quero ficar. 
Outra vez contraditório.
Fechei os olhos por um momento e passaram três anos. Três anos desde que entrei pela primeira vez numa faculdade à qual eu não sabia que me tinha candidatado. Três anos desde que fui à primeira aula com medo, contrariado e em estado de birra. Três anos desde que percebi pela primeira vez que afinal não sabia o que queria da vida. 
O que mudou? 
Ganhei e perdi barriga. Duas vezes. Verdade seja dita ainda estou em fase de perda da segunda barriga. Natal e Páscoa, obrigado. Aprendi umas palavras em francês e outras em espanhol. Agradecimentos rápidos a Canuco Zumby e Fanny. Desenvolvi um moderado mas visível bigode. Semelhante aos que jovens em inicio de puberdade têm, mas um pouco mais vistoso e farfalhudo. E menos nojento. 
E olho para trás, para os erros e aventuras, e de pouco ou nada me arrependo. Apenas me arrependo de tudo ter passado demasiado de pressa. Mas isso não sou eu que controlo. 
As gerações anteriores bem que avisaram. "Aproveita que passa rápido"; "Vais querer sair mas vais querer ficar". Aldrabões, chamei eu, que faço agora parte da geração anterior. 
É rápida esta sorte e maldição de cruzar aquela linha que nos distingue dos do liceu. A licenciatura. O emprego ou a a perseguição de um. Sempre quisemos ser os mais velhos, os mentores, e agora sonhamos com uma Terra do Nunca. 
Este sentimento de pseudo-depressão antes de teres a licenciatura feita, pois não vale a pena lançar foguetes cedo demais, nasce com a entrega da fitas. Sim, as tradições académicas. Às quais, eu confesso, juntei-me porque achava que ficava bem gato de traje. Com a entrega das fitas, chega a altura da sua leitura. É o pretexto prático de dar a pessoas que se conhece e que se sabe que dificilmente se voltará a ver no futuro, uma carta de despedida. E de dar aos amigos mais próximos a trabalheira impossível de traduzir para o "papel" uma amizade, uma relação. Um processo quase angustiante e que normalmente puxa para a lágrima.

Tudo isto recorda-me que sonhei ansiosamente fugir desta faculdade. 
ISCSP, nome quase impossível de se pronunciar sem nos cuspirmos ou enganarmos-nos três ou quatro vezes. O seu emblemático lema "valorizamos pessoas". Como sonhei sair daqui e amaldiçoei esta noção de que para arranjarmos emprego convém uma licenciatura, mesmo que seja em conhaques ou em mudar canais de televisão. Como sonhei e tentei fugir, através de transferências, pedidos de congelamento de matrícula ou férias estúpidas tiradas em época de exame. 

Mas lá fui ficando.
Fui ficando na sede de alunos vindo de todos os lados, de todas as manias e feitios, quase todos com algo em comum: não era aqui que queriam estar. Fui ficando no curso dos cinco professores e seis ou sete cadeiras que realmente valem a pena, enquanto tudo o resto é lixo para passar tempo. Fui ficando e aproveitando como podia, muito amuado e muito refilão.

Só mais tarde, para disfarçar o amuo de estudar algo que não quero, meti-me no associativismo, que me deu experiências únicas, que quase me fez gostar desta estranha e corrupta casa, até me atirar ao chão e cuspir-me na cara, enquanto me dizia que o cuspo era meu. Lá quis fazer de tudo, mas apenas metade foi feito. Também passei por Jornais online moribundos e sempre com um fim à vista, talk-shows mal sucedidos, curtas-metragens péssimas e outras menos péssimas e núcleos de estudantes até chegar aqui onde estou: o fim de uma curta era. 

Espero poder dizer já um adeus definitivo a esta casa das coisas partidas. 
A casa que odiei e adorei sem medos. A casa que abandono e espero nunca voltar a ver. A casa que me traiu e que me consolou. A casa que deixa feridas e saudades. A casa que nunca ficará vazia. 
Não porque merece, mas porque se renova. 

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